Confesso que quase me custa fazer esta crónica… há tanto para dizer e tanto para ver que nem sei por onde começar; se por falar na cidade mais fascinante que alguma vez conheci, se na cultura Japonesa e nas pessoas…
Embora Tóquio seja aquilo que estamos à espera – os arranha-céus, os milhares de neons coloridos, as estradas sobre estradas e sobre caminhos de ferro, as centenas de pessoas que atravessam os cruzamentos nas passadeiras múltiplas (algo que nunca nos cansamos de olhar, ao ponto de ficarmos parados no “verde” e nos esquecermos de atravessar também!), os milhares de lojas - a verdade é que nunca estamos realmente preparados para tudo isto.
Mal se chega, a primeira sensação que temos é que ter a pretensão de conhecer um pouco da cidade em modo “turista” é uma afronta à própria cidade. Era preciso ficar aqui a viver uns tempos, entrar em todos os cafés, em todos os restaurantes, em todas as lojas, em todas as livrarias (ainda que não consigamos ler uma linha), palmilhar toda a cidade, falar com as pessoas, fazer-lhes perguntas, viver como elas vivem, sair com elas e como elas.
Mas, de volta à realidade, e com o tempo contado, resta-nos aproveitar tudo, observar, observar sempre, observar melhor.
Apesar de se tratar de uma cidade gigantesca, nunca nos sentimos claustrofóbicos: não só o ar que se respira é muito menos poluído que nas nossas pequenas cidades como, facto notável, os passeios são larguíssimos, quase sempre com árvores, por vezes mais largos que as faixas de rodagem. Tóquio é uma cidade pensada para as pessoas: nunca há carros estacionados ao longo das ruas (muito menos em cima dos passeios); as passagens aéreas para peões são passeios largos - muitos com canteiros de flores e bancos de jardim - por onde se caminha calmamente, enquanto se observa o trânsito a correr lá em baixo; as estações de metro e comboios estão sempre ligadas, mesmo que se atravessem corredores subterrâneos de 600 metros….
Por falar em estações, é curioso verificar que os Japoneses não conseguem fazer uma estação sem lhe juntarem um centro comercial. Os melhores centros comerciais ficam, precisamente, nas estações de comboios. É como se aquele espaço fosse demasiado bom (e demasiado frequentado!) para se desperdiçar “apenas” com transportes e acessos de/para os mesmos (por exemplo, a estação de Shinjuku – uma das muitas em Tóquio, que reúne várias linhas de metro e de comboio – tem 60 acessos. Colossal, não?).
Outra coisa fantástica nas estações é observar as hordas de gente que, nas horas de ponta, entram e saem dos transportes: aqui sim, começamos a acreditar que eles são, de facto, uns milhõezitos; igualmente incrível é a quantidade de gente que vem a dormir no metro de manhã e ao fim da tarde (e que acordam, como que por magia, na estação pretendida); quando não estão a dormir (de cabeça totalmente pendurada!), estão sempre, mas sempre de telemóvel na mão (chegam a haver filas inteiras de bancos em que toda a gente, novos e velhos, está a teclar!) e, claro, de headphones nos ouvidos.
Tóquio, mais ainda que as cidades anteriores, é um mega “centro comercial”; é inacreditável a quantidade de lojas, todas em tamanho xxl, onde há sempre pessoas a comprar... (toda a gente anda na rua com sacos de lojas - como se tivessem tirado o dia para ir às compras - ao ponto de eu ter chegado a desconfiar que andar com um saco também seria moda por aqui). Por falar em sacos, as mulheres andam todas com malas enormes – que usam a meio do braço, nunca a tira colo - e de marca: a maioria são Louis Viutton, as restantes dividem-se entre Chanel e Dior. A mala parece ser, para as mulheres Japoneses, o verdadeiro símbolo do status social.
Ginza é a zona mais chique da cidade para fazer compras (apesar de haver uma outra zona, Omote-sando, onde cada loja ocupa um prédio inteiro: o “Prada Building”, o “Dior Building”, o “Shiseido Building”, o “Chanel Building…); Ginza, dizia eu, é a zona chique: lá voltamos a encontrar os “Buildings” das marcas e dezenas de outras lojas, entre livrarias, lojas de doces irresistíveis e tudo e tudo… Pormenor curioso: Ginza fecha ao trânsito durante todo o dia de domingo mas o comércio continua aberto, o que torna o passeio na zona ainda mais agradável (só um parêntesis para dizer que, visto daqui, o fecho da nossa Praça do Comércio ao domingo parece ainda mais ridículo do que já é: de que serve fechar um local “de passeio / descanso” onde nem se consegue sequer tomar um café, nem comprar um jornal? Mais ridículo ainda, se o quisermos fazer, temos que ir para as ruas laterais, entupidas de carros aos berros porque, claro, o trânsito está um caos… enfim, senhores, aprendam qualquer coisa!).
Das zonas de neons, a mais fantástica é Shibuya; embora os neons sejam uma constante em toda a cidade, é aqui que tudo parece acontecer; se mais não quisermos fazer, basta sentarmo-nos no passeio a observar o movimento: os fashion victims são aos milhares, grupos enormes de mulheres e homens cada um mais produzido que o outro, elas sempre de saltos altíssimos e, invariavelmente, com os pés para dentro (deve ser ainda um resquício da cultura tradicional, em que os pés das mulheres eram apertados em panos de modo a não crescerem muito – que o verdadeiro pé feminino era o pé 34; agora os pés crescem livremente mas, hélas, para dentro!); as salas de jogos sempre cheias (a qualquer hora do dia e da noite), os bares e restaurantes…
Os Japoneses são exímios em fazer restaurantes cosy: em todos predomina a madeira (escura e grossa), a luz é sempre baixa e o ambiente informal, apetece prolongar a refeição o mais possível. Ao jantar, aliás, é frequente as pessoas ficarem na mesa até bastante tarde, mas nem assim as conseguimos ver a comer uma sobremesa (os Japoneses não são magros por acaso!). As doses são sempre pequenas – mas, curiosamente, suficientes! – e os pratos de “jantar” são do tamanho dos nossos pires de café (por vezes existem uns bastante maiores, do tamanho dos nossos pires de chá), o que faz com que tenhamos de nos servir várias vezes e, com isso, comer mais devagar (logo, comer menos). Nunca há pão, nem queijo, nem manteiga. Ao invés, é normal vir um pratinho de legumes para a mesa (geralmente de rebentos de soja ou couve) , enquanto se espera pela refeição (uma das vezes vi passar um cesto de folhas de couve crua que, depois de enroladas em canudo, eram comidas assim mesmo – molhando uma das pontas em molho de soja).
Os supermercados reflectem também este costume das coisas pequenas: os produtos estão embalados em quantidades mais pequenas, das caixas de cogumelos aos iogurtes, passando pelos detergentes. Tudo bem, a maior parte dos Japoneses vive em casas minúsculas mas, ainda assim, parece-me que se trata sobretudo de uma questão cultural: tudo é pequeno e delicado.
As lojas de electrónica – aos milhares, ao ponto de haver também um bairro que lhes é inteiramente dedicado, Akihabara – são mais surpreendentes pela dimensão que, propriamente, pelos gadgets; é certo que há aparelhos para quase tudo – de utilíssimos reviradores eléctricos de pestanas a fogões com aspecto (e botões) de gravador de vídeo – mas as coisas que as pessoas normais usam (máquinas fotográficas, televisões, telemóveis e assim) não ficam muito além daquelas que já temos aí (globalização oblige!... Bom, estou a lembrar-me agora que haviam umas máquinas de lavar roupa gigantes e com mil funções, mas não creio que alguma vá buscar a roupa ao cesto e, no fim de lavada, a guarde nas gavetas, já engomada).
Em suma, o Japão são vários mundos – o mundo das pessoas e das coisas, da tradição e da modernidade, da delicadeza e do consumo desenfreado – mundos que tornam, irreversivelmente, o nosso mundo diferente.
1 comentário:
longa exposição...transparece muita empatia e sentir dessas realidades. O Japão menos urbano IMHO possui lugares ainda mais encantadores. Ficará para uma próxima viagem.
O Japão está próximo para a imensidão de visões que miramos qd por lá deambulamos. Por mim só com roteiro prévio senão quero ir adiante de tudo que já sobejei e nunca mais regresso.
Só Kyushu seria todo o tempo que imaginasse e . E é belo!
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